segunda-feira, 20 de junho de 2011

La Notte


Lídia lendo a carta que retira da bolsa:

-" Hoje, quando acordei, você ainda dormia. Aos poucos, acordando senti sua respiração leve. E através dos cabelos que escondiam seu rosto vi seus olhos fechados e senti uma comoção subindo à garganta. Tive vontade de gritar e acordá-la pois o seu cansaço era profundo e mortal. Na penumbra, a pele dos seus braços e pescoço estava viva e eu a sentia morna e seca. Queria passar os lábios nela mas o pensamento de perturbar seu sono e de ainda tê-la em meus braços, me impedia. Preferia tê-la assim como algo que ninguém tiraria de mim, pois só eu a possuía. Uma imagem sua para sempre. Além do seu rosto, via algo mais puro e mais profundo onde eu me refletia. Eu via você numa dimensão que englobava todo o tempo da minha vida. Todos os anos futuros e os que vivi antes de conhecê-la mas já pronto para encontrá-la. Este era o pequeno milagre de um despertar. Sentir pela primeria vez que você me pertencia não só naquele momento, e que a noite era eterna ao seu lado. No calor do seu sangue, dos seus pensamentos e da sua vontade, que se confundia com a minha. Por um momento, entendi o quanto a amava , Lídia e foi uma sensação tão intensa que meus olhos se encheram de lágrimas. Eu pensava que isso jamais deveria terminar. Que toda nossa vida deveria ser como esse despertar. Senti-la não minha...mas uma parte de mim. Uma coisa que respira comigo e que nada pode destruir, a não ser a indiferença de uma hábito que considero a única ameaça. Então, você acordou, e sorrindo, ainda adormecida me beijou, e eu senti que não havia nada a temer. Que seríamos sempre como aquele momento unidos por algo que é mais forte que o tempo e o hábito."

- De quem é essa carta?

- É sua....

(Diálogo final entre os personagens de Jeanne Moreau e M. Mastronianni no filme "A noite", de M. Antonioni).

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

O Discurso do Rei ( e o nosso)


O Rei da Inglaterra era gago. Vi por estes dias o excelente filme "The kings speech'. O filme é primoroso, com o excelente Geoffrey Rush, que já viveu o falante Marques de Sade , fazendo aqui um psicoterapeuta da voz, e o também excelente Colin Firth faz o retraído e gago rei George V. Impressionanete como o filme que se insere na Inglaterra dos anos 30/ 40 é tão contemporâneo.Trata de coisas grandiosas e assuntos tão pulsantes no mundo atual. Vivemos uma época em que falamos sem sermos ouvidos, nossos discursos são omitidos de nossas faces, somos quase sempre criaturas sem rosto, sem voz, de escritas, vide a quantidade das redes sociais que se multimplicam.Criamos avatares, somos personagens de nós mesmos mas não damos a cara à tapa.
O filme também mostra o surgimento e expansão do fenômeno radialistico, visto na época como tecnologia mor, onde ainda não existia a imagem que fala (TV).
O rádio possibilitou a saída da voz privada para a pública; o evento da divulgação de discursos sejam estes em sua maioria demagógicos e empedernidos de poder, ou da rádio-novela.. A voz era algo que nos autorizava poder, ação, mobilidade . Hoje ouço sussuros em meio a "véios", "partiu's", "entendeu", "tipo assim" e otras cositas más estranhas. Não tomem meu texto com uma purista que voz escreve, também uso gírias e adoro elas. Assim como palavrões. Mas todos eles são alguns dentre outros recursos da nossa expressão linguística e não formam apenas eles, um vocabulario coeso. Cada vez mais creio que a leitura e o contato fisico com livros, jornais, fanzines deve aumentar. A relação com estes deve ser estimulada. Me dói ouvir como já ouvi diversas vezes: "não consigo ker um livro, me dá sono, preguiça;não tenho paciência". Do contrário daqui a pouco só vamos nos relacionar no nível virtual e "touchable" das telas sensorializadas; trasaremos com máquinas e conversaremos (ou faremos monólogos) com robôs, e isso apenas!
Em determinado momento do filme o rei fala " I have a voice, i am the king " aludindo ao seu desejo de se fazer ouvido, escutado. Cada vez mais vivemos a individualidade da escuta de nosos sentimentos e desejos, as pessoas se usam como produtos e as relações são cada vez mais superficiais. Nao somos mais os reis de nossas vozes, creio que vivemos numa falsa democracia, onde não nos escutam e não exigimos por aquilo que tributamos. O rei do filme consulta-se com um pscicólogo da voz, senta-se num sófa que tem ao fundo uma parede descascada ao inves de algum papel de parede decô estilizado. Metaforas que fazem uma crítica ao desfalecimento de uma monarquia nos dias atuais,á pessoas que servem como mariontes nas maos de outros poderes. Vivemos um momento em que o desfalecimento de ditaduras de décadas no poder parecem crescente (tomara!). Será que a monarquia inglesa ainda faz algum sentido, mesmo que apenas o da sucessão dinástica? Vozes mudas, ueninguem ouve, vozes que praguejam, xingam (hilário o momento que o rei deixa sair de sua garganta xingamentos ), vozes de um poder besta que não presta-se a nada (como metaforiamcanete o psciologo fala em determinado momento). A historia é veridica, e percebemos que o que nos cura é aquilo que nos acalenta, conforta, protege mas ao mesmo tempo nos possibilita autonomia e segurança no estar e ser. Freud já dizia: " o que não é dito torna-se sintoma". O rei precisa falar e se saber entendido para existir enquanto tal. A alteridade pela fala.
Como professora percebo cada vez mais pessoas que não tem dominio de um vocabulário próprio , que pouco lêem, que se expressam cada vez mais por girias. Palavras vazias de conteudos e de expressividade. Vazios de quenturas e presenças, vazios de discursos. Me preocupa muito a fase tecnologica e virtual em que nos inserismos. onde a expressividade basica do ser humano, que é o falar e se expressar foi renegada aos valores virtuais. Por onde andam as vozes das pessoas nos dias de hoje? Somos gagos sociais, encolhemos frases, restringimos significados, nao temos mais a fluência da fala, não sabemos escrever corretamente pois temos preguiça de nos deleitar nas folhas de livros. Somos consumidores de imagens e de produtos , mas de conteudos vagos e vazios. Quando vejo uma pessoa que sabe falar e se comunicar o espanto é tamanho como se isso fosse algo anormal nos dias de hoje
Creio que nossa gaguice é endêmica.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

One Art

One Art

The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

---Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.

-- Elizabeth Bishop

terça-feira, 4 de maio de 2010

Whatever Works

A vida tem caminhando sem grandes conturbações;depois de um ano passado muito difícil e cheio de perdas... mas ainda bem que ela é feita de ganhos também.Ao mesmo tempo que não há grandes e surpreendentes eventos também não tem havido grandes tombos e estabaquices.....estou numa fase mais que mergulhada no trabalho. Dedicação total e quase exclusiva aos meus alunos; alguns novos e muito queridos....de forma geral me dedicado ao mundo da arte. E quer saber? Tenho achado mais que gratificante. As pessoas nos surpreendem com atitudes deliciosas e cada vez mais percebo que a amizade é o que há de bom nesta vida. A volúpia é deliciosa...mas trás ansiedade, angustia, sede de mais querer e uma inquietude que chega a coçar.
Não estou num tempo pra me dedicar ao outro. Cansei de querer compartilhar e dividir. Não dão valor mesmo!
Aprendi a ser egoísta. Viver pra mim, me deliciar com os pequenos e frugais prazeres da vida. Ficar até o fim da tarde sentindo o sol outonal batendo na minha pele, enquanto leio meus livritos e delicio-me observando a humanidade não tem preço!
Ando até meio misantropa. Sem vontade de sair muito e de ver a cara das pessoas. Vi o ultimo filme de Woody Allen "Whatever works" e me identifiquei com seu personagem alter -ego. A humanidade, e o ser humano em especial, tem me cansado, a bobeira humana; a grandiloquencia e a futilidade não são pro meu bico. Alguns comportamentos humanos tem me dado atê ânsia. Tenho preferido longos passeios com meu cão, que sempre me é fiel.
Ando com tédio do ser humano. Claro, é uma fase, uma fase que ando embutida em minha concha-escafandro.
Mergulho em meu mundo próprio, tal como uma ALice que caiu no poço e por esse se deixa sugar.
Espero que esta fase introspectiva seja proveitosa e faça-me crescer mais e mais e aprender a caminhar e descobrir caminhos novos. Sempre deixando para trás minha velha pele, buscando me renovar com a leitura da autobiografia de Bünuel, o romance de Vila Matas, os muitos filmes no cinema, e alguns poucos e queridos amigos.
E viva a fase casulo!!
E como já disse Woody Allen, qualquer coisa que funcione vale a pena,

Então por hoje é só, e cabeça erguida e adiante!


sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

"São os canhões ou é meu coração que bate?"


Ando com uma preguiça monstruosa de escrever desde há tempos,,,eu diria, desde o ano passado....ví muitas coisas que me empolgaram, lí outras.....aliás, recomendo a excelente biografia de Clarice Lispector escrita pelo americano Benjamin Moser....tem quase 600 páginas, mas de tão bem escrita, eu a comi em pouco mais de um mês....ele conseguiu a tamanha sedução tal como a de sua biografada e não conseguia desgrudar-me da leitura.....levava o livro para lá e para cá.
No cinema vi ótimo filmes, o último deles foi o excelente "A Serious Man" do irmãos Cohen, ainda mais tratando-se de temáticas relativas ao universo judaico...me esbagacei de rir, tem ótimas passagens, e um quê se Woody Allen.
O intelecto anda bem, bons livros, ótimo filmes, revi o também ótimo "Casablanca", de onde extraí a já clássica frase do título deste texto . Em dezembro, conheci Brasília em ótima companhia, fiz amigos, e pude entender o que foi a construção desta cidade utópica. Muito engraçado você se deslocar numa cidade geométrica, padronizada e encontrei no livro de Clarice refexões sobre esta peculiar cidade "Brasília é assexuada, o primeiro instante de ver é como certo instante de embriaguez: os pés que não tocam a terra. Brasília fica a beira, é a paisagem da insônia. " Lá encontrei pessoas interessantíssimas, aliás, mulheres, como tem homem bonito e interessante por lá! Joguem-se, hahahahah
Também explorei outros territórios, sem tantos deslocamentos físicos, mas enfim,foi muito bom!

Nunca gostei e ainda não consigo gostar das festas de fim de ano e esse começo 'embassado' que custa a começar....agora estou começando a melhorar de meu desânimo de fim / começo de ano. Descobri que a ociosidade por demais me oprime e deprime. Ó Deus, meu instinto de trabalhadora nunca adormece! Rsrsrs. O coração andou bem conturbado, a perda de meu pai e otras cositas más.......depois melhorou e não posso me queixar, tive um final de ano bem agitadinho...... E descobri que devemos nos ater a algo muito importante: O DESAPEGO. Ambíguo e confuso? Não, cé la vie! A nova forma de ser feliz é desapegar-se.... ainda não sei recomendar esta 'receita' mas estou vivendo e recomendo a experiência;mesmo porque sempre descobrimos depois que nos pegávamos à coisas que superestimavamos....é sempre bom desmistificá-las e perceber que elas sempre valem menos do que originalmente a gente cria que valiam...
Bom, é isso, que venha 2010 espero que com boas "odisséias espaciais" ! Prometo me dedicar mais a escrita, pois como para Clarice, ela também me salva!

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

"A Linha e a Agulha" por Machado de Assis

(Publicado originalmente em Gazeta de Notícias, 1885)

Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:

— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma coisa neste mundo?

— Deixe-me, senhora.

— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.

— Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.

— Mas você é orgulhosa.

— Decerto que sou.

— Mas por quê?

— É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?

— Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu, e muito eu?

— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados...

— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás, obedecendo ao que eu faço e mando...

— Também os batedores vão adiante do imperador.

— Você imperador?

— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...

Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:

— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima...

A linha não respondia nada; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte; continuou ainda nesse e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.

Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava a um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha, para mofar da agulha, perguntou-lhe:

— Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.

Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha: — Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.

Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça: — Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!

FIM

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

...E o Cinema matou Hitler


Sinto informar aos fãs de "Pulp Fiction" mas o mais recente filme de Quentin Tarantino "Bastardos Inglórios" é seu melhor filme. Fui assistir por estes dias. Tarantino faz uma fábula do já fiel e conhecido nosso 'filme de guerra'. Porém seu filme é fictício e da melhor ficção viável; não busca como nos comuns filmes deste assuntos um dado verídico e documental e não vemos judeus mortos de fome sendo açoitados em campos de concentração, nem soldados da SS ridicularizando-os.Lembrei-me do já tão criticado "A vida é Bela", também outra excelenete versão do cinema italiano (Roberto Benigni).
Pelo contrário, seu filme fala do tal desejo de vingança que muitos de nós ( e eu posso dizer que sinto isso na pele como uma judia), desejaríamos fazer: acabar com Hitler e seus fiés escudeiros. A obra coloca um bando de americanos caipiras judeus que querem vingar-se da maior quantidade possivel de nazistas executando-os e retirando seus escalpos....claro, tem muito sangue e violência,como todo filme de Tarantino, mas aqui a violência não é gratuita nem esguicha sangue como em "kill Bill" ou "Pulp". Brad Pitt esta ótimo enquanto o líder destes americanos caipiras, que tais como jogadores de baseball matam os nazistas a pancadas ( há aqui uma ridicularização também do americano médio- aquele super -herói comedor de todas as mocinhas dos chamados filmes hollywwodianos do mainstream). Pitt é um soldado idiota, burro até. A ação acaba se centrando na personagem da francesa Shosanna Dreyfuss (Mélanie Laurent), uma judia fugitiva e sobrevivente que também busca vingança. Como em todo filme básico de Tarantino são sempre várias historietas que se desenvolvem simultaneamente e acabam se juntando em determincada hora confluindo num final apocalíptico- , mas o que me agradou é que o grande astro do filme, no caso, Pitt, é um soldado boçal e anti- heróico e o filme se centra em atuações explêndidas de atores pouco conhecidos do público brasileiro p , tais como o coronel Hans Landa (Chrisoph Waltz), excelente ator .
O que agrada é que o filme tem 'punch', a trama é boa, são quase duas horas e meia que passam voando; o enredo ótimo, os atores excelentes. Hitler é ótimamente interpretado também e ridicularizado tendo a cena em que primeiro aparece posando para um artista que faz um mural seu.
Mas o que mais me deliciou foi o fato de a ação principal do filme se desenrolar num cinema , de os alemães serem literalmente lá exterminados; o filme é cheio de citações cinematográficas, um ator que vive ali Emil Jennings (aquele que interpretou o famoso professor alemão que se apaixona pela prostituta Lola vivida por Marlene Dietrich em "Anjo Azul", que se não me engano é de 1919); a atriz/espiã alemã que performa uma não tão distante Mata Hari; e o melhor de tudo é saber que em se tratando de Arte tudo pode ser feito e por ela podemos nos 'vingar' das matanças históricas, purgando-as. Hiteler é morto literalmente no e pelo cinema; e Tarantino faz sua obra máxima,metaliguística, em que nós como espectadores sedentos de vingança somos também encurralados em seu cinema pra ver este ato de 'sacrificio e oferenda". O cinema engole e aniquila os nazistas.
Sua vingança é alegre e libertadora, saimos do cinema nos sentindo leves através das mãos de 'indios -apaches" retirados de um bang -bang folhetinhesco que se passa na Alemanha da Segunda Guerra.É muito bom descobrir que a Grande Arte não precisa apenas nos falar de amores impossíveis, das felicidades alcançáveis da vida mas também da Vingança. A vingança, neste caso,vem pelo cinema, e como alguém ja disse um dia, somente a Arte nos liberta.

Bravo Tarantino!!

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Amor replicante


Recentemente ouvi de uma pessoa que me era querida que ela não estava feliz comigo.
Fico me questionando: quem inventou este conceito cretino de felicidade? Por que atribuimos aos outros nos fazerem felizes??
Bom ando muito descrente do homem de modo geral, digo da humanidade...o egoísmo das pessoas me aniquila.
Você fica meses se relacionando com um indivíduo pra depois ser delatada como "uma mosca que pousou na minha sopa"..isto porque não havia desavenças, grandes dramas. Mas descobre que havia somente ELE, ELE, E MAIS NADA. E que você devia ser aquele adendozinho, aquele orgãozinho pendurado nele, tal como um apêndice que de vez em quando ele fazia um carinho e fingia que te gostava.
As pessoas não sabem mais de dar, se doar aos outros?? Amadureçam pessoas e não me venham com papinhos de telenovelas de quinta categoria a la "vamos dar um tempo". Nossa isso ofende meus neurônios!!!
Sejam machos, usem seus colhões, afinal pra mais alguma coisa que sexo eles devem servir.
As pessoas se relacionam com outras hoje esquecendo-se do principal: que há O OUTRO nesta e em qualquer relação. E ela esta alí não apenas pra lhe proporcionar risos, cumplicidades, gozos e outros prazeres mas porque alguém me disse um dia que sair do umbigo de sí mesmo e descobrir o outro e nele mergulhar é uma das melhores coisas que o ser humano pode fazer com outros com os quais se relaciona.E eu ja vivi isto e sempre vivo e continuo afirmando: o OUTRO é o que há de bom, claro, quando este outro tem camadas e mais camadas a serem descobertas e vividas....
Mas pra que ser relacionar com o outro se não há um interesse pelo outro??
Mais fácil: compre uma boneca inflável ou um replicante : ela não vai te cobrar que você deixou de sair com ela pra ver o futebol do seu time e tomar cerveja com seus amigos(e, aliás nunca foi convidada por se tratar de um programa do clube do Bolinha.....; nao vai querer dormir ao seu lado de conchinha, nao vai ter que aturar sua TPM , nem perceber e reclamar que você não quer conhecer os amigos e a família . Não sei porque as pessoas insistem tanto em buscar pessoas pra se relacionar se no fundo não há relacionamento nem um verdadeiro interesse pelo outro: há apenas um USAR o outro e joga-lo no lixo.
Ninguém é um lixo reciclável pra ser jogado fora.
Acho que já to ficando caquética mesmo e não existem mais homens que pensem assim como eu. Até o sexo oposto ja tentei mas devo confessar que homem ainda é o que há de bom nesta vida. Talvez eu mude, mas acho difícil, talvez deva usar os homens como puro prazer de meu hedonismo, ah, vários ao mesmo tempo, sem querer me comprometer com algo ou alguém.....viva o desapego? Será??
Muito recentemente também creio que uma luz apareceu no fim do túnel e estou tentando segui-la
espero que não seja apenas um vagalume pululantee eu me estabaque na parede novamente ... do contrário vou alí encomendar meu replicante na versão Blade Runner do Harrison Ford. Alguém mais quer?? Pois comprando no atacado deve sair mais barato..........

terça-feira, 14 de julho de 2009

Marguerite Duras


Nesta noite, li, numa tacada só o delicioso livro "O Homem sentado no corredor/ A doença da Morte" da escritora, que adoro, Marguerite Duras. Já havia lido o excelente "O Amante" que foi adaptado para o cinema em 1991, por Jean Annaud(fantástica adaptação, aliás), e "A Dor". Duras é sempre profunda, vai fundo na dor, suas mulheres- muitas vezes ela mesma é a protagonista de suas histórias-, sofrem, amam, tudo parece carnal, deixa memórias, cicatrizes no corpo e não só na mente. Vale aqui lembrar que ela roterizou um dos filmes que mais amo "Hiroshima Mon Amour", de Alan Resnais. Suas mulheres perpassam a Segunda Guerra, a do Ópio,etc e a história da humanidade é assim vivida por estas concomitantemente às suas histórias de amor, sexo, paixão. Ontem dormi feliz. Duras como ninguem, as duas pequenas novelas retrata a natureza profunda das relações amorosas, a paixão, o amor, Eros e Tanatos, o Amor-ódio e vai mais fundo:o erotismo, o tesão, o gozo. Sua escritura é moderna como a de ninguém. Vão aqui pequenos e maravilhosos trechos: "Através da finura da pele que a recobre estende-se a trama escura do sangue.....Bem depressa você desiste, você já não a procura,nem na cidade, nem na noite, nem no dia. Assim, no entanto, você pode viver este amor do único jeito que lhe é possível, perdendo-o antes que ele acontecesse.....Sempre acho que nada substitui a leitura de um texto, que nada substitui falta de memória do texto, nada, nenhuma ação". Boa leitura!

terça-feira, 30 de junho de 2009

Morte e Memória




Terminei de ler "Os prazeres e os dias", primeiro livro do então jovem Marcel Proust, que a época tinha 25 anos. O livro é de uma riqueza imensa, fico chocada em apreciar como um jovem tinha naquela época tamanha consiência do que era a vida, as relações afetivas e já o leitmotif daquilo que seria o ápice de sua famosa e grande obra "Em busca do tempo perdido" - a memória.
Comecei a ler este livro não por acaso, encontro-me 'emperrada' na leitura do segundo volume da famosa obra do mesmo autor, "Em Busca do Tempo perdido", ou melhor no segundo volume da série de sete deste, "À Sombra das Raparigas em Flor". A mim me parece que a tecitura da escrita de Proust era mais fluída em sua obra inaugural. "Em busca do Tempo", contém mais de 3.000 páginas e tem uma narrativa mais arrastada, o tempo parece distender-se e arrastar-se mais demoradamente; são páginas e páginas detalhadas e com cuidadosas descrições minuciosas...talvez eu esteja num momento mais fluído de minha vida, buscando leituras mais 'corridas'.
Neste mês sofri uma perda muito grande, meu pai faleceu. Foi de repente, sem doenças e causas maiores que pudessem construir um entorno mais confortável para não ter nos pego tão de surpesa.
Mas ao mesmo tempo me pergunto: quando a morte pode ser mais suave, mais delicada? A morte é sempre uma perda, um sumir,evaporar, ir-se e, nós humanos não sabemos lidar com ela. Proust também fala que "a morte vem em auxiíio dos destinos que tem dificuldade para cumprir-se"; no caso do meu pai e do momento de vida que ele vivia, esta frase faz muito sentido. Mas apesar de dar sentido, nós nunca entendemos e aceitamos....ele einda era jovem, como assim?? Talvez esta seja a questão da vida e de seu livro, buscamos na vida e em seus dias, os prazeres, a fruição deste e não lidar com a cara na parede da dor. Por isso que estamos vivos e somos humanos.....a vida é este calendário de prazeres, mas que agora, para mim, se intercala por dias de choro, e recordações.E creio que talvez tenha que ser assim, afinal acontece para e com todo mundo.
Faço aqui esta conexão com Proust justamente pelo fato da MEMÓRIA. Creio que nada na vida é por acaso, como já dizia nosso amigo Jung, a vida é feita de sincronicidades....comecei a ler este livro pouco antes da morte de meu pai, e creio que terminei este buscando explicações, causar e porquês.....nós sempre estamos buscando nas coisas explicações para os fatos que as abraçam, antecedem ou ocorrem conjuntamente, o ser humano, ou melhor nós, somos assim, buscamos explicações, mesmo para o inefável e inexplicável.

Mas afinal sem poesias ou arabescos, posso dizer que a Morte é mesmo uma merda!
Eu buscava nas palavras escritas conforto para ações não compreendidas, da vida que nos toma uma pessoa, nos deixando, no meu caso, sem uma ascedência. Impressionante como a perda de uma pessoa querida nos torna mais atentos, fiquei pensando em agilizar check-ups, comecei a policiar os cigarros fumados pela minha mãe, observava mais atentamente as pessoas queridas ao meu redor, amigos, namorado, mãe, família.....engraçado, nos tornamos mais zelosos e percebi que devemos nos demorar mais no estar e fazer das coisas.....afinal pra que a pressa e a ansiedade?? Viver e estar em cada ação, seja ela boa ou má, da um sentido e significados à estas e, claro no futuro constroem aquilo pelo qual voltaremos a estas: a MEMÓRIA. O grito, o ser e a essência das coisas que nos ocorrem são elas.
Meu pai foi tudo aquilo que fez, que não fez, tudo o que potencialmente fez-se. E é isto que fica dele, boas memórias, algumas fotos da infância e da juventude e de um presente recente vistas e guardadas numa pasta de elástico e boas, muito boas lembranças. Como diz Prost ficam agora "tributos melancólicos de nosso delirio". Não nos preocupamos mais com a presença da pessoa e como o próprio autor diz a "ausência começa a ter uma corporeidade incrivel, tornando-se uma presença viva e pulsante". "A morte embeleza aquele que abate" é verdade, perdoamos os erros e besteiras feitas em vida e a pessoa vira uma espécie de mártir. É isto, a morte engrandece,a pessoa torna-se um totém, um ícone, uma imagem engastada na memória, e vivemos pela lembrança de suas ações. "A distância embeleza e engrandece, banha o ser ausente numa aura de embelezamento".
Como diz Proust "a ausência é a mais viva, a mais eficaz, a mais indestrutível, a mais fiel presença".
Será mesmo que como disse Shakespeare " a vida seja uma história contada por um idiota, cheia de som e furia, sem significado algum"?
Prefiro acreditar que não, a minha tem som, fúria, lágrimas, sorrisos . O tal Significado é muito raso e para aqueles que buscam finaizinhos felizes. Prefiro me agarrar aos acontecimentos, às "aconteçenças" da vida, alegrias e tristezas, algum siginificado, muita dúvida, e claro, muito memória!
Você ainda esta em mim, agora em outro plano
A memória é sua mais fiel amiga
Saudades